Início Madeira

História e Descoberta da Madeira

Origem do Arquipélago da Madeira

Nas entranhas do Miocénico, há cinco milhões de anos, ergueram-se explosões vulcânicas no Atlântico ocidental.

Nasceram assim a ilha da Madeira (leia O Que Visitar Na Madeira), Porto Santo ao nordeste, as Desertas diminutas e, um desvio de 250 km ao sul, as Selvagens.

Formação do arquipélago da Madeira

No norte da as Grutas de São Vicente são um testemunho do poder da natureza na Madeira; escoou furtivamente nos subterrâneos, tecendo esta magnífica rede de túneis.

Grutas de São Vicente

Em 1418 os portugueses desvelaram estas ilhas, ainda indomadas e despovoadas.

Réplica da Nau Santa Maria na Ilha da Madeira

Descoberta da Madeira

João Gonçalves Zarco (28 anos) e Tristão Vaz Teixeira (24 anos), sob ordens do também jovem Infante Dom Henrique (25 anos), acharam-se em Porto Santo, desviados por uma feroz tempestade que os levou da costa da Guiné.

Daí o nome da ilha, Porto Santo, divino refúgio contra a tempestade.

Zarco, outrora corsário que enfrentava piratas nas águas do Algarve, ostentará a honra de Cavaleiro, após o cerco a Tanger, e pioneirismo nas armas de artilharia em navios.

Tristão, “assaz ardido”, desdenhava qualquer desafio. Eram, ambos, empreendedores de capa e espada.

Do Porto Santo se enevoavam no horizonte nuvens negras a par com um negredo que os marinheiros calculavam ser as portas do inferno.

Fosse o que fosse, João Gonçalves Zarco regressa a este enclave atlântico um ano mais tarde, agora com o Cavaleiro Bartolomeu Perestrelo, para rasgar o véu da incerteza desta forma rochosa no horizonte.

Era a Ilha da Madeira, que se revelou pela Ponta de São Lourenço, nome herdado da nau comandada por Zarco.

Ponta de São Lourenço

Mas foi na tranquilidade da Baía de Machico que os pés tocaram pela primeira vez na ilha da Madeira.

Baía de Machico

E o primeiro foi mesmo Adão, neste caso madeirense. Filho dum escudeiro valente da equipa de Zarco, Gonçalo Aires Ferreira, o primeiro a tocar no solo insular.

No alvor do dia seguinte, celebraram a primeira missa na ilha, local onde hoje ergue-se a Capela do Senhor dos Milagres (chamava-se Capela de Cristo).

Depois, sem demoras, mergulharam na exploração do vale que já se faz tarde.

No Monte, num alto da cidade do Funchal, Adão erigiu uma das primeiras capelas da ilha, o berço da atual Igreja da Nossa Senhora do Monte.

Igreja da Nossa Senhora do Monte

Terras da ordem de Cristo

Sob o manto da Ordem de Cristo, com a bênção régia, estes desbravadores avançaram.

Ignoram muitos que o ímpeto das descobertas foi um empreendimento privado, estampado até hoje na bandeira madeirense pela cruz da ordem de Cristo.

Bandeira da Região Autónoma da Madeira

O Infante Dom Henrique, sucessor espiritual dos Templários e timoneiro da ordem, movia-se por grandes ideias: a queda do império do Islão e a descoberta de reinos cristãos que os auxiliasse nesta cruzada.

Um intento de custo elevadíssimo, compensado em parte pelo mercantilismo que desde cedo lhe foi associado.

Representação do Infante Dom Henrique

Dos bosques da Madeira, saíam mastros altaneiros que tocavam céus distantes, contribuindo para façanhas como a de Vasco da Gama na Índia.

Já se conhecia a Madeira antes dos portugueses?

Existiam rumores, sussurros entre mercadores e piratas, sobre lendárias ilhas atlânticas.

Gregos, genoveses, fenícios e árabes talvez já as avistassem, guiados ou desviados pelas tempestades. Eram incapazes de mapeá-las com rigor e de regressar, com precisão, como os portugueses.

Não há dúvida: o rito do povoamento é inaugurado pelos portugueses.

Capitães donatários

No palco insular, o Infante Dom Henrique estreia um sistema territorial inovador: capitanias dotadas de autonomia, com direito de exploração e de lucro (menos um tributo, está claro). Prosperou e estendeu-se até ao Brasil.

O Infante repartiu a ilha da Madeira entre Zarco e Tristão Teixeira.

Zarco faz da enseada de Câmara de Lobos o seu lar, onde o encontro com lobos-marinhos incute-lhe o epitáfio “da Câmara de Lobos”.

Posteriormente, habita um ilhéu no Funchal, submergido pela expansão portuária. Renasce, qual Fénix, como Design Centre Nini Andrade Silva.

Ilhéu de Nossa Senhora da Conceição

Mais tarde, viveu no espaço do atual Museu da Quinta das Cruzes.

Museu da Quinta das Cruzes

Tristão, por sua vez, escolhe a baía do Machico, porto seguro em vale fértil, como a sua capitania. O seu lado aventureiro nunca cessou: prosseguiu em expedições marítimas para sul, sempre com a ânsia de novas descobertas.

Para demarcar as terras, uma linha em mapa foi traçada da Ponta da Oliveira à Ponta do Tristão.

O Infante enviou uma estaca de oliveira plantada o sudeste (local que se chama Ponta da Oliveira) como símbolo de acordo harmonioso.

Ponta da Oliveira

Paralelamente, Bartolomeu Perestrelo comanda a ilha Porto Santo. A sua filha entrelaça destinos com Cristóbal Colón, futuro descobridor do Novo Mundo.

Esse enlace, tece um fio enigmático que, até aos nossos dias, desafia o escrutínio. Na história oficila, Colón não era nobre, rico, ou notavelmente erudito, e não havia se destacado em serviços antes do casamento.

Esta união desafia as normas da época, especialmente num contexto europeu onde o casamento entre classes sociais diferentes era desencorajado.

Porém, o casamento não enfrentou oposição de Dom João II, cujo poder, como era comum nas monarquias da época, se baseava no princípio de classes privilegiadas.

Em todo o caso, no leito de prosperidade madeirense, surge uma nódoa.

Um fidalgo imprudente ousa tomar liberdades com a filha de Tristão e encontra-se com a ira “cortante” do capitão sem direito a julgamento.

Por isto, Tristão enfrenta a desaprovação real: perde todos os seus privilégios sendo desterrado.

Levará vários anos até o novo rei conceder-lhe perdão. Só regressará à Madeira com 57 anos.

Ouro branco da Madeira

Da lâmpada do Infante irradia uma ideia luminosa: a cana-de-açúcar.

As primeiras mudas vêm da Sicília. Na ilha, a água profusa e a madeira da floresta tornam-se os combustíveis dos engenhos, templos onde o ouro branco é fabricado.

Entre eles, destaca-se hoje o Engenho da Calheta, uma cápsula do tempo que persiste fiel às tradições do rum.

Não é dos primórdios do povoamento, é certo, mas há ruínas dum engenho deste tempo: Ruínas de São Jorge.  

Ruínas de São Jorge

No alvorecer do século XVI, a Madeira ostenta o título de maior exportador de açúcar do mundo. E, num eco sombrio, aqui surge pela primeira vez o recurso ao trabalho escravo negro no ciclo do açúcar.

O rum madeirense nasce da fermentação da cana-de-açúcar. Envelhecido em santuários de carvalho, aguarda o passar dos anos para revelar a sua complexa sinfonia de sabores.

Séculos depois, na enseada de Câmara de Lobos, a Poncha da Madeira é gestada pelas mãos calejadas dos pescadores. No caldeirão deste elixir, o rum é indispensável.

Alguns sugerem que a Poncha já desenhava o seu destino nos ventres de caravelas abastecidas com álcool, que servia como escudeiro fiel dos limões, para espantar o espectro do escorbuto.

Levadas da Madeira

Surgidas no século XV, as Levadas da Madeira são “aquedutos” humildes na forma, titânicos em propósito.

Estes pequenos canais traçam percursos elegantes para guiar a água da chuva do interior montanhoso até à costa sedenta.

Hoje, metamorfosearam-se em caminhos floridos que nos convidam a viajar por uma época esquecida, a Floresta Laurissilva.

Essa relíquia húmida, cujo nome nasce da fusão entre ‘Laurus’ (loureiro) e ‘silva’ (bosque), remonta à alvorada de 20 milhões de anos.

Entre as Levadas que capturam a imaginação, destaca-se a PR9 – Levada do Caldeirão Verde.

Levada do Caldeirão Verde

Este percurso de cerca de 6 quilómetros é um convite para adentrar a vastidão das florestas e os corredores de túneis antigos.

E lá, no final desta odisseia, espera-nos o murmurar duma cascata.

Arte flamenga

Num sopro de prosperidade, a ilha torna-se íman para mercadores globais.

Especialmente os flamengos que trocam o ouro branco por obras-primas que hoje adornam a Sé Catedral do Funchal, erguida por vontade de Dom Manuel I.

Sé Catedral do Funchal

Antes de ascender ao trono, era agora o senhor da Madeira, e o mestre da ordem de Cristo. Por duas décadas e dois anos, a diocese foi o abraço eclesiástico mais vasto do globo, cobrindo terras desde o Brasil até ao Japão.

O Museu de Arte Sacra do Funchal é dos mais ricos em arte flamenga, em todo o mundo. E no seu seio resplandece uma tela rara: “O Encontro de São Joaquim e Santa Ana junto da Porta Dourada”.

Um retrato emocional onde o rosto de Henrique Alemão e a sua esposa Anes se eternizam.

A lenda sussurra que Henrique Alemão era nada menos que o Rei Ladislau III da Polónia – monarca derrotado em Varna pelos turcos otomanos. Encontra refúgio sob o manto real de Dom Afonso V.

Aninhado nas terras do Infante Dom Henrique, foi recebido com honras por João Gonçalves Zarco.

Até que o Cabo Girão, num acesso de fúria geológica, liberou uma enxurrada de rochas que o tragaram para o fundo do oceano. A essa altura, já tinha semeado dois descendentes.

No sereno jardim do Museu Quinta das Cruzes, antigo reduto de Zarco, pedras tumulares e esculturas arqueológicas guardam ecos do passado. Entre eles, destaca-se a sombra do cavaleiro de Santa Catarina: Henrique o Alemão.

Saque do Funchal

Durante eras, os Açores tiveram um passado bem mais difícil: dupla ameaça de piratas vorazes e da terra em ímpeto vulcânico. Mas as águas da Madeira se encurtavam com o avanço da tecnologia naval, dando lugar a novos lobos do mar.

E, no ano de 1566, corsários franceses se lançam sobre a Madeira com olhos cobiçosos. Aportam na Praia Formosa, como sombras em busca de tesouros que repousam em abrigos sagrados.

Na Sé do Funchal, um sacristão perspicaz oculta as preciosidades num túmulo. Ao abrirem os sepulcros, são saudados por um odor insuportável.

Recuam, acreditando que o sacrilégio não terá proveito.

As freiras do Convento de Santa Clara, numa fuga apressada, buscam refúgio nas entranhas montanhosas do Curral da Serra, que por isso passa a ser conhecido por Curral das Freiras até hoje.

Curral das Freiras

No seu retorno, encontram um cenário de desolação, profanação do espaço. Exigia resposta.

E Portugal responde. Para blindar a sua Pérola do Atlântico, começa a erguer fortalezas — como a São João Baptista do Pico e a de São Tiago na Zona Velha do Funchal.

Fortaleza de São João Baptista do Pico

Vinho da Madeira

A Madeira vê o seu ouro branco eclipsado pela proeza açucareira do Brasil: em quantidade e em preço. Mas como uma fénix etílica, o vinho da Madeira se ergue no século XVII.

Este néctar já era tema em tabernas e nos palcos de Shakespeare. As primeiras castas na Madeira, em especial a Malvasia, foram trazidas para o arquipélago já pelo Infante Dom Henrique, originárias da Grécia.

Mas é sobretudo no século XVIII que o vinho da Madeira tem o seu apogeu.

Navios ingleses ancorados no porto, carregavam este néctar com personalidades imortais da ciência e da história — Capitão Cook, Darwin e, posteriormente, até Napoleão na sua viagem ao exílio.

E quando os Estados Unidos ergueram as suas penas num grito de independência, foi o vinho da Madeira que ungiu a celebração.

Vinho da Madeira

A Blandy’s Wine Lodge no Funchal, é um relicário do Vinho da Madeira, e se ergue a um lançamento de pedra da Estátua do Zarco no centro do Funchal.

Com notas que variam do seco ao doce, o vinho da Madeira não é só um licor: é uma personagem histórica.

Destino turístico da elite europeia

Nos séculos XIX e XX, a ilha torna-se um Éden para aristocratas e doentes à procura de respiro contra a tuberculose que não tinha cura. A altiva Monte emerge como refúgio.

Ali, o último imperador austro-húngaro, Carlos I, encontrou o seu último palco, preferindo o abraço da terra madeirense ao mármore frio da pátria.

Ao pé da Igreja Matriz do Monte, a sua estátua eterniza esse último ato de amor.

Quintas luxuriantes, prelúdios de jardins botânicos e palácios tropicais, precedem o surgimento de hotéis no Funchal. São espaços onde hoje presidentes repousam e que acolheram esperanças de imperatrizes.

O que hoje é o Jardim Botânico da Madeira, naquela época, se vestia como a Quinta do Bom Sucesso.

Jardim Botânico da Madeira

Jardim Tropical Monte Palace, na época, atendia pelo nome de Quinta do Prazer.

E, no coração do Funchal, a residência onde hoje repousa o poder político da Madeira, era a Quinta Angústias, refúgio de Dona Amélia de Leuchtenberg, a Imperatriz do Brasil.

Jardins da Quinta Vigia – outrora Quinta Angústias

Na modernidade, o Teleférico do Funchal ascende facilmente a Monte oferecendo belos panoramas. Mas há charme no arrastar dos carros de cesto de madeira e vimes.

Comandados por 2 homens em trajes alvos, são um murmúrio do século XIX.

O Golden Gate Grand Café também personifica essa época. Era um cenário onde o capital e a arte dançavam, sob o olhar da elite turística europeia.

Golden Gate Grand Café

Ferreira de Castro, romancista lusitano, batizou-o como a “Esquina do Mundo” em 1933.

Século XX – Região Autónoma da Madeira

Durante séculos, a elite madeirense navegava nas águas do mercantilismo inglês, absorvendo a paixão pela botânica e os ideais liberais da Grã-Bretanha.

Contudo, em 1910, o continente português se entrega ao progressismo republicano europeu, prometendo soluções para os males da monarquia e da fé.

O idealismo colide rapidamente com as rochas da realidade: impostos asfixiantes, declínio da produção, inflação, corrupção, e o falhanço em cumprir a promessa de justiça social.

Como não bastasse, a I Guerra Mundial estende as suas sombras até ao Funchal, que sofre dum ataque de submarino alemão.

No rescaldo dessas trevas, ergue-se o Santuário da Nossa Senhora da Paz, fruto duma promessa com o fim da I Guerra.

Santuário da Nossa Senhora da Paz

O desencanto com a Primeira República portuguesa pavimentou o caminho para um regime mais militarizado.

Em 1926, uma ditadura se instala, mais tarde comandada pelo punho de ferro de Salazar por décadas. A Madeira, acostumada a ser mestra do seu destino, vê-se cada vez mais acorrentada ao centralismo.

Até enfrenta ocupação militar em 1931, após uma revolta interna.

Os insurgentes são náufragos na sua própria terra. Alguns forçados a encontrar refúgio no cruzador britânico HMS London, guardião dos interesses britânicos na região.

A visita de Sir Winston Churchill à Madeira em 1950 serviu como um breve interlúdio de glamour num contexto sombrio.

Hospedado no luxuoso Reid’s Palace, Churchill parecia encantado com a beleza da ilha, que eternizou em tela enquanto pintava a encantadora baía de Câmara de Lobos.

Contudo, esse momento de esplendor foi um desvio temporário da realidade dura: a repressão dum Estado centralista e o empobrecimento gradual do povo.

A década de 60 desenhou um grande êxodo: rios humanos fluíam maioritariamente para a África do Sul, Venezuela e Canadá, acentuado com a Guerra Colonial Portuguesa.

Mas, como todas as grandes histórias, a Madeira teve a sua reviravolta.

A Revolução dos Cravos em Portugal, em 1974, marcou o fim de décadas de ditadura e inaugurou uma era de liberdade. O arquipélago foi elevado ao estatuto de Região Autónoma, com significativo controlo sobre o seu destino.

Desde então, como milagre que nada tem de milagroso, a Madeira floresce.

E, como pormenor que é por maior, deu ao mundo um dos maiores virtuosos do futebol, Cristiano Ronaldo. No coração do Funchal, junto ao porto, as memórias do astro aguardam por nós no Museu CR7.